quinta-feira, dezembro 23, 2004

sobre as festas felizes

Votos de um santo Natal e de um óptimo ano de 2005, cheio de coisas boas e de continuação de muita amizade.


até 2005!

quarta-feira, dezembro 22, 2004

sobre os painéis

Uma das coisas que mais gosto de fazer quando estou em fase 'stand by', de repouso, à espera, é essa interminável curiosidade em observar o painel dos carros alheios.

Espreito os que consigo ver. Adoro notar nas particularidades do design. É científico que os carros italianos são os mais arrojados, com linhas bem marcadas e cheias de energia, mas são também os que mais rapidamente passam de moda. Já viram o tablier de um Fiat Tempra!? Os italianos passam muito rapidamente de moda por isso mesmo, porque eles são a moda.

Quanto ao tablier dos carros alemães, são quase sempre de aspecto sóbrio e sólido, robusto, escuro, mas acho que os VW já foram bem mais fiáveis do que são agora, e mesmo no design já me vão parecendo, como no último Golf, um pouco sensaborões.

Mas mais do que os tabliers, são os próprios painéis de controlo que adoro observar. Acho até que foi por eles que comecei a gostar de carros. Talvez em miúda adorasse naves espaciais e toda aquela parafernália de controlos luminosos que se viam nas séries de Tv, com os indicadores de pressão, temperatura, velocidade, etc.

Ainda hoje, lá me vou perdendo a observar as particularidades das marcas. Um Clio com a indicação de 'SERV' e obrigatória ida ao concessionário mais próximo. Um Honda com o aviso luminoso de airbag. Um Mercedes topo de gama a indicar o fim próximo da lâmpada de travão traseira esquerda... (uau!) Os Seats com as cores laranja, os OPEL a optar pela luz branca, os Toyotas e Citröen a optar mais pelo verde...

É um mundo admirável e faustoso, pelo qual me perco regularmente, qual miúda teenager a olhar a montra resplandecente de uma loja Ouro Vivo repleta de Cartiers, Chanel e D&G.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

sobre a sedução

Confesso que, como mulher, não sou aquilo a que se chama uma “vamp”. Mas vejo-as. Passam por aqui algumas todas as semanas. Entram. Falam pouco. E nem todas usam os típicos óculos de sol. Uma grande parte delas, fiquem a saber, são mulheres que, à partida, nem daríamos por elas. Mas elas, as verdadeiras “vamp”, sabem que o são. Sofrem como qualquer mulher. Têm desejos por homens que, alguns, não conseguem seduzir. Mas os homens pelos quais não nutrem qualquer paixão (e talvez apenas interesse), a esses conduzem-nos com uma mestria milimétrica e matematicamente irrepreensível, e, sobretudo, infalível.

Já me aconteceu algumas falarem comigo como se eu fosse a pobre coitada casada e mãe de filhos, que recriminam pela "submissão". Não perco tempo a dizer se sou ou não casada. Com isso ouço mais histórias delas. Técnicas que usam. Tons de voz. Frases lapidares. Virares de costas que os deixam loucos, perdidos, irritados durante dias, mas que depois os fazem quebrar o silêncio e irem a correr para uma noite de sexo louco, animal, visceral, desenfreado. E com isso, elas, só têm a ganhar.

Acho incrível como algumas destas mulheres dominam na perfeição quase todas as técnicas de sedução, o que leva o homem primeiro ao desejo, depois ao pânico e, finalmente, à perdição.

Antevejo tempos estranhos. Cada vez mais se vêem miúdas a seduzirem e conquistarem os rapazes, ficando estes entregues mais a si mesmos e relegando toda a disputa para as candidatas. É como se eles estivessem, no futuro, destinados a serem bem escasso.

Não sei em que posição isto me deixa, mas gostava que se mantivesse o romantismo a-la Cyrano de Bergerac...

"Querida revista Maria, estarei condenada à partida?"

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Sobre maçãs do rosto


Ela entra esbaforida, cabelo desgrenhado. A voz tremendamente apressada. Só a prática me leva a percebê-la:
-Par’exposefazf’vor!

Vai então metade do caminho a pintar-se. Tento não lhe esbater o rímel nem lhe borrar o batôn. Ela termina tudo. Arruma. Suspira. Desabafa:
-Pronto... Agora só me falta um bom copo de leite.
Sorrio. Meto conversa fiada para ver se daqui sai alguma gorjeta:
-Com uma pinguinha de café, não é?
-Não. Odeio café.
(merda)
-De manhã só bebo leite.
(insisto)
-Bem fresquinho?
-Não! Quente. Ou então morno. (pausa) O leite é sempre ou quente ou morno.

Ela abre um sorriso malicioso; fica a olhar-me pelo espelho retrovisor. Eu começo a inchar nas maçãs do rosto e sinto um calor de vergonha a encapuçar-me a cabeça toda.
Alguém me pode explicar porque é que eu corei?...

quinta-feira, dezembro 09, 2004

sobre os desconhecidos

Há pessoas que não conhecemos mas às quais nos habituamos a ver; ali estão elas, todos os dias, no café, ou numa paragem, tal como aquela música que pelos destinos transviados do acaso acabamos por ouvir sempre nas mesmas circunstâncias.

Vemos esses rostos que se tornam familiares sem alguma vez tentarmos uma aproximação. Como se temêssemos que a bolha de cristal que envolve esta 'relação' se partisse. Tornam-se, assim, nossos conhecidos. Tomam o café connosco. Passam pelo mesmo quiosque. Compram revistas parecidas. Lêem jornais diferentes...

E depois, um dia, torna-se tão curiosa essa passagem pelos mesmos sítios sem ver os nossos rostos; tão solitária; despojada de sentido; como se a tal música que sempre ouvimos à mesma hora e no mesmo lugar desta vez viesse não em inglês, mas sim num remix barato, em húngaro ou japonês.

Há quem explique isto.
Eu contento-me em senti-lo e com isso sentir-me dolorosamente humana.

A perda e a ausência.
Serão, talvez, o que melhor nos pressionam para sermos homens e mulheres deste mundo.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

sobre o insólito

O insólito vivi-o há poucos dias. Noite cerrada (o que agora não é difícil acontecer logo às 7) e um homem de barba por fazer entra no táxi.
-Leve-me até à estação de comboios da Amadora, p.f.

Arrancamos. É imediato, ao fim de segundos, que aquele sorriso de criança não é sinal de um utilizador comum de táxis. Remexeu nos tecidos, olhou muito em volta, explorou-me o táxi minuciosamente como um cowboy inspecciona o crivo à procura de uma pepita de ouro. Meti-me com ele:
- Não me diga que é a primeira vez que anda de táxi?
- Não!
– responde-me a sorrir muito.

Ajeita o grande saco plástico. Recosta-se no banco. Vai olhando lá por fora sem vestir os dentes à mostra.
-Sabe… às vezes tenho umas ideias assim; meio malucas!
-Assim como?
-Estou a fazer este passeio com o dinheiro de um biscate. Queria ver como era regressar a casa de táxi, sem estar a passar pelas esperas nos transportes públicos. Queria assim, com ‘choffeur’ e tudo.
(pausa) Não me leve a mal.
-Não, claro que não. (pausa minha) E está a gostar?
-Achava que ia gostar mais…
-Porquê?
-Porque eu não sou um homem de negócios.
-É por isso!?
-Mais ou menos…
-Como assim? Porque eles têm mais dinheiro?
-Não propriamente... A diferença nem é que eles têm mais dinheiro. A diferença é que eles vão e vêm de táxi porque o táxi não é pago com o dinheiro deles.
-...


Ainda assim manteve-se de sorriso perene até à Amadora. Deixei-o. Deu-me uma gorjeta simpática e tudo. Ali ia ele, de saco de supermercado na mão, com ferramenta a chocalhar lá dentro. Tenho 99% de certeza que não o voltarei a ver. Gostava de poder acreditar que um dia se tornaria um importantíssimo homem de negócios, que o voltaria a ter no táxi; mas sei que não vai ser assim.

Esta profissão ensina-nos alguma coisa. Uma delas, uma das mais importantes, é que a natureza humana, a natureza de alguns homens, não se transforma, mas antes os acompanha inteiramente igual até ao fim. É um olhar estranho, que se aprende enquanto se conduz tanta gente...

Fico pensativa.
Divago a ponderar o que será que, de entre nós, taxistas, alguns pensarão de mim a este respeito...

quinta-feira, novembro 18, 2004

sobre os presentes de Natal

Entra mãe e filha.
A rapariga deve andar pelos doze anos.
A mãe arruma a agenda.
A pequena miúda vai desfolhando não o último catálogo da Toys R’ Us, mas sim o novo catálogo da IKEA.

-Mãe!
-Sim...
-Dás-me um guarda-fatos e esta cama p’ró Natal!?


(Pausa mental)

...confesso que fico baralhada;
porque não sei, ainda hoje, o que a minha mãe acharia mais estranho: se isto, se eu lhe ter pedido uma bola de futebol quando tinha 9 anos.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Sobre o casamento

Ela entrou, de revistas na mão, sorriso semi-escondido, dedos ginastas a desfolhar aquilo tudo. Pelo caminho até às Amoreiras aproveitei para dar também uma espreitadela a alguns vestidos de noiva. Resolvi entrar com ela:

-É para o ano que vem?
-É! (agora sim, um sorriso desses que não se apagam)
-Não se esqueça da peça azul...
-Obrigada. Eles na loja oferecem a liga.
-E já tem uma coisa emprestada?
-Oh, já... dinheiro.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Não peça desculpa - exija!

Passo pelo Saldanha e uma senhora entra-me pelo táxi esbaforida:

-Desculpe, a senhora importava-se de me levar até à estação de Entrecampos!? É que senão eu perco o comboio e...

Mas o que será que leva a nossa cultura a pedir desculpa por tudo e mais alguma coisa? Por mais curto que seja o percurso, é trabalho, é para ser feito. Ou por acaso o ‘caixa’ que está no Banco só se digna a dar dinheiro aos clientes que ali vão levantar de 4000 euros para cima!?

My name is Stone... Joss Stone.

O nome não digo, mas a voz não me importava.


(raio de algumas miúdas que já nascem com o rabo virado p’ra lua...)

sexta-feira, outubro 29, 2004

sobre jantes de liga leve

A nós, mulheres, bastaria que os bares servissem bons copos de vinho.
Não precisavam de nos pagar shots ou vodkas a rodos. Bastava-nos um bom copo de vinho tinto para nos levar para a cama. Isso e uma conversa bem-disposta.
Acham-me demasiado directa?
Não digam depois que as mulheres é que são misteriosas e não sabem o que querem...
Acreditem, meus caros. É o que nos excita. Sigam a dica se quiserem.
Uma música ambiente. Um bom copo de vinho. Uma conversa que não passe a pente fino a prestação do governo (só lembrar os cabelos lambidos e os nós das gravatas insípidos!...) ou futebol, mas algo a ver com artes ou viagens.

Ah, e por favor, deixem de puxar o brilho às jantes de liga leve...
Nós queremos mesmo é saber do interior.

;)

MANIFESTO aos colegas, aos amigos, a todos

Recebo o comentário do Sr. J. Armando sobre este blog onde escrevo há relativamente muito pouco tempo (sobretudo se comparado com o tempo do Universo... Sim, já fui dar uma vista de olhos ao seu blog, o Dicas: jarmando.blogspot.com).

Aproveito então o momento para deixar aqui uma declaração de princípios:

É claro que todos podem referenciar este blog onde quiserem e da forma como quiserem. Ele é público. Isso não posso nem quero evitá-lo. Quem escreve num blog sob a capa de que o faz de forma pessoal sem ter em vista os outros, mente. Há sempre uma parte de nós que sabe que outros irão ou poderão ler-nos, e isso transforma estes diários em diários semi-públicos.

Portanto amigos: sejam livres, falem mal, falem bem, falem.
Prometo que, também aqui, não fugirei aos meus momentos e que, sempre que precisar ou desejar, irei referenciar outras pessoas, outros blogs, outros nomes.

Quanto a informações da índole pessoal (neste caso relativamente aos meus anos de profissão), lamento, mas terão de depreender todas essas coisas pelas entrelinhas dos posts que aqui vão sendo inseridos. Se não quisesse ocultar a minha identidade não teria apagado todos os traços que num blog nos revelam sobremaneira
: )

Aos poucos, aos poucochinhos, todos vamos acabando por conhecer melhor as pessoas. Mas talvez seja de já não ser nova, quem sabe... outrora não era assim...Hoje, prefiro mil vezes ir-me enamorando a ficar de coração arrebatado logo ao primeiro minuto.

Um abraço a todos,

quinta-feira, outubro 28, 2004

Sobre o que o cinema não diz

Ando há dias à espera que me apareça aqui alguém interessante. Não tem aparecido. É por isso que depreendo que a maior parte das profissões... (reescrevo) todas as profissões não se aproximam nem a uma décima do que o cinema retrata. -Os criativos publicitários não são todos milionários e galãs.
-Os advogados não são todos charmosos e eticamente correctos.
-E sobretudo: a vida de taxista não é tão fantástica e etnicamente enriquecedora como se pinta.

Têm-me passado por aqui os eternos casais de idosos para ir ao Santa Maria ou ao Hospital da CUF, os apressados business-man da praxe com o jornal na mão, aquele, o outro, o aqueloutro, enfim... o mesmo de sempre. Nem um estrangeirinho decente me tem aparecido. Tudo os mesmos chatos banais remetidos ao silêncio de sempre, só quebrado para dizer a morada de destino e perguntar quanto é...

Rotina?... Tédio?... Enfado!
Às vezes pergunto-me porque não dei ouvidos ao meu pai e me meti a jogar à bola!

...ah, é verdade. Foi porque sou mulher.

segunda-feira, outubro 25, 2004

sobre as segundas-feiras

Deveriam ser espezinhadas com tacões agulha de aço (sem capas), cortadas em tiras finas com uma lâmina de barbear rombuda, demolhadas em álcool puro, depois regadas com ácido sulfúrico e, finalmente, oferecidas a um animal carnívoro qualquer que apenas gostasse de aí afiar as garras e os caninos, durante o tempo mais longo possível...

...mas como o mais provável, durante todo este processo, seria vir uma associação de defesa das segundas-feiras gritar por socorro, o melhor mesmo era abatê-las logo a tiro, para não haver hipótese de fuga possível.


sexta-feira, outubro 22, 2004

mito sobre a profissão #8

-todos os taxistas ou motoristas têm o rabo grande por andarem sempre sentados.


(o rabo é grande por uma particularidade genética e hereditária! Não tenho culpa de ser mulher. E não é rabo grande. Eu, pelo menos, não tenho o rabo grande. Posso é ter ancas largas!)

quinta-feira, outubro 21, 2004

[de luto, de preto, em silêncio]

pelo colega que morreu em serviço, esta manhã, na 24 de Julho.


adeus.

quarta-feira, outubro 20, 2004

sobre a ortografia

Li hoje a notícia no Público e resolvi dar um giro e ver a coisa pelos meus próprios olhos. Sim. Lá estava ela. A bela placa, no número 675, em reconstrução, ali na Rua de S. Bento e junto ao Largo Hintze Ribeiro. No cartaz ali colocado pode-se ler: "A empresa não se responsabelisa pelos carros estacionados junto à vedação".

E eu é que sou taxista...

segunda-feira, outubro 18, 2004

sobre educação

Páro. As pastilhas já guincham. A chuva molha. Os outros. Eu fechadinha e quente na minha cabine isoladora e protectora. A porta abre-se. Um tipo; atirado à força para o banco; porta puxada com 100 cavalos de força. Um estrondo de morte. Valha-nos o aço...

-Para o Saldanha!

Pois claro. Vamos lá... e um "Bom-Dia", não?
Se for preciso cumprimentam a mulher das limpezas, quem lhes serve o café, o homem dos bolos, o chefe nem se fala, a colega boa, a colega menos boa porque é amiga da boa, o colega, o outro colega, a outra colega não tão boa como a boa mas também boa, e a si mesmo, quando se olha ao espelho, cem vezes ao dia. A mim não. Para quê!? Eu sou a única "passageira". Não é ele. Eu. Eu é que sou "passageira". Aos outros precisa de mimá-los. Cuidar deles. Cuidar bem deles para que assim cuidem bem de si. Para lhe limparem bem a secretária, servirem bons cafés, guardarem sempre o Record e, enfim, quem sabe, poder ir para a cama com todas, quem sabe até com todos...
Eu não.
Eu passo.
Nós, taxistas, motoristas, passageiros, passantes, vistas fugazes, somos gente para chegar, usar e deitar fora. Descartáveis. Nós somos os que passam. A nós, passam-nos. Nós taxistas, somos assim. Chegam, usam, pagam e trespassam para o próximo que vier.
Já me aconteceu, e não minto nisto, haver quem até nem feche a porta!

Malditas segundas-feiras...

sexta-feira, outubro 15, 2004

sobre a polivalência

Às vezes parece-me que o conceito de trabalhador polivalente já se instaurou definitivamente e alargou a todos, até a nós, taxistas.
Pelo vistos, aos olhos dos outros agora também sou enfermeira...

Ele: Desculpe fazer-lhe esta pergunta...
Eu: Diga, diga...
Ele: Já tomou a vacina anti-gripe?
(e eu a pensar que ele me ia perguntar sobre qual o melhor caminho para chegar ao Arco do Cego às nove da manhã ou até o meu número de telefone!)
Eu: Eu!?... Por acaso sim, já...
Ele: E diga-me uma coisa... isso como é?
Eu: (abismada e a achar que, das duas uma, ou o gajo era tarado ou estava a sacar da arma para me assaltar) É uma vacina!, que quer que lhe diga!?
Ele: Pois, sim... mas é intra-muscular?
Eu: Intra-muscular!?... Sei lá! É uma vacina, como as outras!
Ele: É com agulha, no braço?
Eu: Sim, exacto.
Ele: E dói muito?
Eu: (ele há com cada paranóico!!!) Não, é um instante. Não dói nada.
Ele: Ah, ainda bem. Muito obrigado.
Eu: (deves ser fresco, deves...) De nada.
Ele: É que nos obrigaram a tomar a vacina a todos, lá no banco...
Eu: Pois... tem que ser, não é?
Ele: É...
Eu: E o senhor faz o quê, lá no banco?
Ele: Eu? Sou Director Financeiro. (sorriso pomposo, ajeitar da gravata passados vinte segundos)
Eu: Ah...

quinta-feira, outubro 14, 2004

sobre roupa nova

A segunda coisa que mais gosto na roupa nova, depois do facto da roupa ser nova, é o cheiro, esse cheiro a novo, a tecido, a algodão, a poliéster, a camisa no meio de mil camisas num lote de dez mil camisas empilhadas - esse cheiro a novo, a roupa, autêntica, ainda impessoal, ainda no ínício.

Sempre que compro roupa nova, uso-a antes de a lavar.
Pode não ser comum. Pode até não ser higiénico. Que se dane. Eu amo o primeiro dia em que uso cada peça nova que compro. E lamento, mesmo, este carro que conduzo me ter chegado às mãos já depois de ter passado por tantos colegas. Deve ser também por isso que amamos esse cheiro das crianças, esse cheiro a bebé, esse cheiro limpo, quase doce, puro, ainda isento de qualquer contacto com o mundo exterior, este mundo repleto de poluição de gente...

quarta-feira, outubro 13, 2004

sobre a vida

- (...) já viu!? Depois ainda tenho que pagar a faculdade do mais novo. Chegamos ao fim do mês, e... tá a ver... Mas ainda nos vêm dizer o que queremos ouvir. À espera de nos enfiar as verdades falsas pelos olhos adentro...

- (aceno que sim)

- Mas isso nem é o pior. O que me dana é saber que anda pr'aí muito malandro por essas instituições públicas a mamar! Mas a mamar mesmo! A mamar forte e feio! Digo-lhe: a esses gajos era fazer como na China!, cortava-se-lhes as mãos e pronto!

- (aceno que sim)

- É a vida, não é...

- (aceno que sim)

- Sabe que às vezes me ponho a pensar - Afinal: o que é que andamos cá a fazer!? Para que é que estamos cá!?... Acho que é mesmo tudo só uma passagem...

- (aceno que sim)

- É a vida, não é!?

- É... é a vida; mais curta que comprida.

mito sobre a profissão #7

um dia inteiro sem rádio.
- é possível?

( é. )

segunda-feira, outubro 11, 2004

taxi-lag

o que é estranho na nossa profissão é que nos fartamos de viajar, de somar quilómetros, e no fundo, no fundo, para não sairmos dos mesmos 20 km quadrados e ver sempre as mesmas coisas...

sobre a Maria Rueff

(Puto ao fim de 1 minuto a olhar-me de lado, no banco de trás)

-Ó mãe, esta não tem bigode!


...maldita Maria Rueff.

sobre as diferenças entre Portugal, Londres e Espanha

esta senhora ensina-me umas coisas, algumas das quais me deixam cabisbaixa;

primeiro diz-me que, segundo leu na BBC, os taxistas londrinos têm um hipocampo maior que qualquer outro londrino; depois diz-me que lá por Madrid já têm GPS nos táxis desde Maio de 2004 (!!!).
...e eu a chegar todos os dias a casa com dores de cabeça por causa da porcaria daquele rádio-táxi fanhoso!

Já lá dizia o jorge Palma: "Ai Portugal, Portugal!..."

mito sobre a profissão #6

-há taxistas que nunca tiveram um único toque ou acidente.

(...começaram a trabalhar ontem?)

sobre o erotismo

Há casais assim; perdidos no esquecimento do eros;
devem andar abafados em problemas de trabalho, intrigas de bastidores, contas da água e da luz, preocupados com o sinal da TV-Cabo (esses malandros chauvinistas, opressores e borbulhentos), quiçá até distraídos e embrenhados nas crónicas semanais dos colunistas dos diários.
quem sabe, devem ser dos que guiam em hora de ponta com uma Visão em cima do volante, a carregar no acelarador e no travão por instinto, sem terem batido uma única vez...

Digo isto não por ter observado ao calhas um qualquer duo de apaixonados adormecidos aí pela rua e tirado as minhas conclusões precipitadas, mas porque os levei mesmo no táxi:

(entram)
Ela: Chega-te mais para mim; está frio!
Ele: Era para o Bairro das Galinheiras...
(passam alguns segundos, em completo silêncio)
Ela: Estás tão quentinho...
(vejo-a a agarrar-se com força ao braço dele, depois a meter uma mão pela perna)
Ele: hã.... desculpe... podia ir mais depressa um bocadinho, se faz favor?

Não posso deixar de achar uma certa graça a estas situações; passam-se várias vezes; fico assim com uma sensação de ser Taxista-Viagra; parece incrível, mas devia haver alguém a estudar estes fenómenos de "urgências nos lugares e momentos mais inoportunos"; vá-se lá perceber o que estimula o nosso cérebro tão complicado... O que é bom nisto é que saem com tanta pressa que quase sempre deixam o troco todo como gorjeta.

sobre colegas de profissão

há por aí, certamente, quem duvide de tudo isto.
"uma mulher taxista a escrever um blog!? deixem-me rir! os taxistas nem sabem ler, quanto mais uma mulher escrever um blog!"

serve o anterior comentário pseudo-machista e preconceituoso de entrada a uma demonstração de arte, não só de arte fotográfica como, igualmente, de arte web e arte da escrita.

cliquem aqui, e vejam uma porta de entrada para o registo pessoal de não um, mas de vários taxistas;
escolha minha: a senhora chamada Rosa Maria; por ela fico a saber que o meu sonho dos táxis em Lisboa serem rosa-choque, pelos vistos, não é ideia nova... senão vejam.

ainda dizem que o México anda mais atrasado que Portugal...
nos blogs não é de certeza.

sobre a rádio

para o comum dos mortais que vai e vem de carro para o trabalho, os locutores da rádio são um entretém de primeira água; para um taxista não; pelo menos para mim não são; mesmo. Já bastam as conversas chatas dos clientes. Neste momento, a extinta Voxx é a minha companhia assídua; ali está ela, sem RDS, sem nome, algures nos 91, sem locutores a interromper, sem publicidade... só música, música, música.
(suspiro bom)

sobre o trânsito

quando abrem as vagas para o brevet de piloto de helicópteros!?
alguém sabe se todos podemos concorrer?
...não vejo a hora de ver a rotunda do Marquês de Pombal e a Av. E.U.A. bem lá de cima, bem lá de longe, sobretudo isso: de longe!

sexta-feira, outubro 08, 2004

sobre nós, as mulheres

Não consigo dormir. Estou num estado de completa exaustão, e acho que por isso até o meu cérebro se recusa a esforçar para adormecer o corpo. Fico a remexer nas pontas da almofada, na costura do lençol, a pensar em coisas estúpidas. Chego ao ponto de trocar rostos com datas e pensar, num qualquer delírio, que a Betty Boop é prima da minha mãe, que por sua vez é a Teresa Guilherme (!!!).

Benzo-me.

Dei há pouco uns passos até à cozinha, mas regressei depois de um copo com água. Odeio comprimidos. Que se lixe...

Já passou meia-hora, já voltei atrás no tempo e ando às voltas a pensar nas mulheres. Não em mulheres, mas nas mulheres. Entram-me pelo táxi dentro, sentam-se com as suas pastas, falam ao telemóvel com amigas, com alguém da empresa que lhes anda a pisar os calos, outras em silêncio, os rostos preocupados a caminho de um hospital ou uma clínica... desemboco na minha mãe (outra vez ela) a passar a ferro o cabelo, nos anos 60, depois a cortá-lo, quando fez 35 anos, a ficar todo ondulado... Gosto da Mulher. Adoro-nos. Sobretudo este transmutar-se, mudar-se, crescer; a passagem solene e subtil que, aqui e ali, encontra marcas rupturais; assim, de repente.
Entram no táxi e penso:
-tem ar de 30 anos, mas tem apenas 26
-tem ar de mãe, mas é apenas solteira e só
-tem cabelo de velha, e é ainda tão nova...

Nós somos assim. Parecemos assim. Fazemos fitas para cortar o cabelo. Um drama. É mesmo assim. É mesmo. Porque em relação aos homens nós mudamos constantemente aos olhos dos outros, de forma palpável, visível. Aos nossos olhos, sobretudo. Não trocamos apenas o fato pela roupa 'à civil' todas as sextas-feiras. Mudamos mesmo. De repente. Trazemos o cabelo escadeado, curto, à maria-rapaz, com extensões... castanho, caju, louro, preto... com madeixas... nuances... somos outra. De repente, nem que por dois dias, toda a gente repara em nós. Acima de tudo: nós reparamos em nós, com uma atenção acima do normal, aos detalhes. De cada vez que mudamos alguma coisa, arrastamos uma onda de auto-análise atrás. Nenhum homem algum dia vai conseguir perceber isto.

Levanto-me e vou até ao espelho. Acho que estou igual há já 3 anos. O mesmo corte de cabelo. A mesma cor. As olheiras notam-se e de que maneira. Deve ter sido da noite de hoje. É normal...

-tens uma testa que parece a frente de um camião!
-tem cabelo preto natural; que sorte...
-tens um ar cada vez mais fabuloso... que raiva...

Relembro algumas mulheres que já conheço, que levo todas as semanas aos mesmos sítios. Lembro-me, inclusivamente, de uma 'rapariga de programa' giríssima; nos dois anos em que ela me pediu exclusivamente para a levar e ir buscar aos sítios, foi curioso observar como ela mudou em dois anos; meu deus! Chamem-me galdéria, parva, o que quiserem, mas aquela rapariga, com ar de rapariga, com tudo de rapariga, tornou-se uma mulher. Não sei quem terá sido o homem a levá-la aos sítios certos. Mas levou-a, definitivamente, aos sítios certos. E poder assistir a este tipo de mudança, de transformação, é impressionantemente abismal. Talvez seja isso que significa, afinal, ser mãe; estar para lá da mudança, estar a observar a mudança, a ser testemunha diária da passagem do tempo.

Como diria o senhor Martins:
-coisas como esta só se vêem em África, quando o sol nasce e nós estamos sentados há meia-hora com os olhos postos no horizonte.

sobre neuras

Deito-me. Saturada desta vida. Apetece-me concordar com todos e trabalhar para deitar abaixo o governo. Desculpem. Não consigo. Fazer noites a conduzir é do mais desgastante e deprimente que há. Do mais perigoso também. Pouso o carro no sítio do costume e meto as chaves na mala. Gostava de atirá-las fora. Dizer-lhes adeus. Bye-bye. Até nunca mais. Portem-se bem. Agora vão ficar com este senhor. ele vai tratar bem de vocês. Um beijo. Ciao. Livre...
Meto-me na cama. Está escuro. São nove da manhã. O céu está fechado como a vagina de uma virgem. Nem preciso baixar mais a persiana. Enterro-me dentro dos lençóis depois de escrever isto. Só poucos sabem o que custa...

quinta-feira, outubro 07, 2004

mito sobre a profissão #5

-conduzimos todos um Mercedes.


(o meu é um Renault)

sobre conversas

Já me aconteceu perguntarem-me "se não me canso de estar o dia todo a falar". Não percebo por que as pessoas acham que eu passo o dia todo a falar. Na verdade, eu e muitos dos meus colegas falamos pouco. O nosso negócio nem é tanto guiar o táxi. É guiar, estar calado e ouvir. Para o taxista que estiver interessado em ganhar umas grojas, a lei passa a ser: guiar, estar calado, ouvir e concordar.

Claro que isto nem sempre é fácil. Sobretudo quando temos um gerente qualquer a falar-nos de taxas, de enfermeiros a recitar nomes de doenças que só pela conversa nos dão dores de cabeça... enfim. Há de tudo.

Mas então, como conseguir manter uma conversa com o mínimo de recursos possível?, até sem perceber nada sobre o tema?

Por mínimo de recursos entendamos expressões como "pois", "é mesmo", "é", "isto realmente", "claro", "é verdade", "é incrível" e os incontornáveis "sim", "não" e "mais ou menos". Para mim, que sou mulher, é frequente aplicar isto todos os dias, ou não fosse grande parte dos clientes que levo atrás homens, e não fosse o tema, metade das vezes, futebol.

Ele - Aquele Peseiro... olhe que ele até pode ser muito bom de táctica, mas aquilo no balneário ele deve passar mais tempo é com ele próprio que com os jogadores! Isto de teóricos...
Eu - É mesmo...
Ele - O Mourinho é que lá se vai safando!
Eu - E bem...
Ele - Também, com uma equipa daquelas!
Eu - É...
Ele - Mas voltando ao Sporting, e não estou aqui a defender o clube, que eu quando é nestas coisas gosto de ser isento... mas já viu o que é que eles fizeram ao Rui Jorge!? Obrigarem-no a pagar 650 euros!?
Eu - É mesmo...
Ele - Isto neste país!... Só à gatunagem!
Eu - É... isto está mau...
Ele - Mau!? Mau?!... Isto está péssimo! Péssimo!
Eu - Péssimo...
Ele - Só para que veja: há quantos anos anda o Pinto da Costa à frente do Porto!? E já alguém o apanhou!?
Eu - É... isto realmente...
Ele - Não pode ser, menina! Isto assim neste país não pode ser!
Eu - É incrível, é...
Ele - E ainda me vêm dizer que o Jorge Costa é bom jogador!... Andam a brincar com a gente! O homem já nem corre! Só se arrasta! É mais velho que eu!
Eu - É verdade...
Ele - Enfim... Sabe o que lhe digo: isto quem é burro, que não seja. Este mundo é para os espertos.
Eu - (sorrio)
Ele - Sabe que mais, eles é que o levam todo ao fim do mês. A menina não leve a mal, mas você e eu é que somos parvos.
Eu - Pois...
Ele - 20 mil contos por mês! E o Simão Sabrosa o dobro! A comprar carros de 40 mil contos! Onde é que já se viu!? E o Benfica a fugir às dívidas!
Eu - É verdade...
Ele - Eu para pagar a minha casa, que é metade disso, vou andar 30 anos! Não pode ser! Isto assim mais valia o tempo da PIDE e do Salazar.
Eu - É... isto assim...
(...)

Claro que convém saber que nem todas as teorias batem certo. Pelo menos saber que não batem sempre certo. Esta foi uma daquelas vezes em que não só fiquei sem gorjeta, como o troco era tão incerto que o homem me ficou a dever 5 cêntimos... Mas enfim. Umas vezes dão para as outras.

quarta-feira, outubro 06, 2004

mito sobre a profissão #4

- os taxistas falam muito.

(ouvimos mais)

sexta-feira, outubro 01, 2004

sobre a vida

Chateiam-me as notícias da manhã. Odeio ver os primeiros boletins de informação. Odeio. Mas dá jeito. Vê-se o trânsito. Vê-se o tempo. Tiram-se umas ideias para saber o que levar vestido. Mas não percebo. Ou melhor, até percebo; Mas não sei como fazem aquelas pessoas que escolhem a roupa de véspera? Como conseguem!? Será alguma parte do cérebro mais desenvolvida que a minha? Como adequam, antevêem, prevêem a sua disposição, o clima? Os mistérios nisto deixam-me mais abismada que ver um tipo acorrentar-se e enfiar-se em cimento para depois sair dali em 12 minutos...

Ainda assim, odiando os noticiários matutinos, vejo-os, vejo as notícias de gente a morrer à fome, de mais um atentado em Bagdade, de mais umas crianças mortas em Israel ou na Palestina, da América a mandar-nos em todos, e claro, da manchete nacional do dia; seja ela um novo imposto, uma nova fraude, um boato, uma treta qualquer que nos vai encharcar as orelhas nos seguintes dias, até à exaustão.
Vejo.
E depois?
Sou culpada. Não devia. Mas é automático. E não sei porquê, talvez aconteça com mais pessoas, mas parece sempre que de manhã todas as notícias soam mais duras, rudes, amargas, brutais. À noite talvez estejamos demasiado exaustos para notá-lo, ou absortos, ou simplesmente anestesiados pela repetição das mesmas tragédias. Ou talvez estejamos tão fartos do mundo que o nosso cérebro ao escutar as desgraças nos faça pensar: estou-me a cagar para essa bomba, estou-me nas tintas para essa nova doença, quero lá saber desse escândalo... deixem-me ver o desfile de moda em Milão ou as imagens da princesa do Mónaco com o novo namorado!

Aparte isto, há pessoas. Pessoas que trazem nos lábios um sorriso meigo. Aquele homem que nos entra pelo táxi dentro, que nos estreia a bandeirada e nos faz pensar que não é deste mundo, que deve ser da Terrugem, deve ter 90 anos e tanta saúde que por isso vive numa completa ebriedade. É mais uma daquelas coisas que não entendo...

Às vezes fico a olhar essas pessoas pelo espelho. Faço que vejo o trânsito, mas vejo-os a eles. Na realidade, é neles que afunilo o meu pensamento. Aqui e ali arrisco uma pergunta, uma sondagem, ao de leve. A última vez foi ontem. Entrou com mil cuidados e uma elegância educada. Cabelos, poucos, e brancos. Sentou-se e pediu-me para o levar às camionetas. Perguntei-lhe para onde ia, de lá, o que fazia, como lhe corria a vida... Ele limitou-se a aconchegar aquele sorriso paternal e a deixar no táxi uma única frase para além do bom-dia e até à próxima:


-vai indo... sabe, tenho uma reforma que me dá para pagar o lar e ainda sobra um poucochinho para as minhas coisas. sou um homem rico.

terça-feira, setembro 28, 2004

sobre livros

Por vezes passam-se horas e dezenas de viagens sem que algo de relevante nos marque o dia. Outras vezes basta levar alguém por dois quarteirões para ficar a pensar naquilo o dia todo. Há pouco tempo foi uma psicóloga, que ia para o Meridien. Não trocámos grandes histórias. Aliás, disse apenas isto, que me deixou extremamente pensativa quanto à felicidade e realização relativas de cada um:

-Sabe qual é o romance que anda aí na berra?

-Não leio assim tanto, minha senhora... Mas tenho ouvido falar de um Código Da Vinci e do livro do Sousa Tavares.

-Ah... então ainda são esses. (fez uma longa pausa) Sabe, é que preciso estar a par, para ir recomendando alguns livros. Já não leio um romance há muito tempo... Às vezes dou por mim a falar da mesma vintena de romances que li quando tinha 20 anos. Tenho saudades. Leio praticamente só livros técnicos; ou pelo menos livros relacionados com a minha profissão. Para 55 anos é muito tempo... É muito tempo sem ler um romance...

sobre o preço do gasóleo

A grande parte das vezes, quem desabafa dentro de um táxi ou é o motor a diesel ou o cliente, quando viaja no banco de trás. Tudo se passa como nos psicólogos (pelo menos na sua versão senso-comum e mais vista na TV e no cinema). Agora já percebem porque viajar de táxi é tão caro. Eu sou a primeira a reconhecer isso. Mas faz sentido. O objectivo é que durante a viagem você desfrute da paisagem, da nossa companhia semi-surda e de uma chance para desabafar os seus problemas. Uma espécie de confessionário, mas onde pode ver o padre pelas costas e não tem de levar com reprimendas no fim; basta deixar a moedinha. Se, por algum caso ou acaso, você não aproveita isto, o problema é seu.
Seja como for, há para além destes dois casos um outro, mais raro, em que somos nós, taxistas, quem acaba por desabafar.
Recentemente, com um cliente que ia de Santa Apolónia para o Rossio, a conversa começou por piqueniques, deambulou para a base das Lages, descaiu para o Bush, abelhas africanas e daí foi desembocar no preço dos táxis que não tem parado de subir. Chegados aqui, era incontornável para mim ausentar-me por completo da conversa. O assunto dizia-me especialmente respeito. Não consegui conter-me. Bem sei que a todos a vida custa, mas é preciso que se perceba que, se cortam as margens de lucro, quem vai ficar com menos no bolso para comprar umas bolachas de canela ou umas fatias de fiambre da perna no supermercado, somos nós. Taxistas.
Aproveitei então um sinal vermelho ao pé do Jardim do Tabaco, virei-me para trás e perguntei-lhe de caras:

-O senhor já viu quanto é que subiu o gasóleo de há um ano para cá!?

-Ó menina, eu sei lá! Eu meto sempre os mesmos mil paus.


mito sobre a profissão #3

- todos os taxistas cospem pela janela.

(já agora também podem dizer que todos temos pêlos nas costas, não...)

sexta-feira, setembro 24, 2004

sobre a cor dos táxis

Muito sinceramente, já ando um bocado farta da discussão sobre qual a cor a adoptar nos táxis; era para ser o beije; queriam erradicar o preto&verde; ficaram as duas. Já nem quero saber. Estou, como se diz, nas tintas para isso.
A sério.
Total e completamente.
Nas tintas para a cor dos táxis!
Aliás, mandasse eu nisto e obrigava toda a gente a pintar os táxis de cor-de-rosa. Via-se melhor ao longe e nem um daltónico ficava com dúvidas. E se ainda assim insistissem com mais perguntas, dizia que era para combinar com os sapatos rosa-velho que comprei na Zara no outro dia.
Os homens fazem tanta confusão e discussão besta sobre coisas insípidas que fico sem saber porque não percebem que nós, mulheres, somos capazes de ficar horas a conversar sobre qual a cor ideal de cabelo ou os malefícios do solário. Desculpem o feminismo, mas: qual é a diferença? Só falta fazerem manchete sobre a mudança do Pantone nas camisolas do Benfica...
Venha o fim-de-semana, por favor!


quinta-feira, setembro 23, 2004

vamos lá a ver se nos entendemos

-minha senhora, isto é assim (páro o carro com travão de mão e tudo; olho para trás e ajeito o cabelo à homem; adoro fazer isto quando apanho estas doutoras que me falam como se eu fosse a mulher-a-dias delas); vamos lá a ver se nos entendemos: isto é um táxi e eu sou taxista; não sou sua choffer. Percebeu?

profissão: taxista

Às vezes perguntam-me o que faz uma mulher a conduzir um táxi.

-levo as pessoas onde querem...

Fazem-me então cara de caso, riem de lado e eu faço que não percebo. É lógico que ainda estamos numa sociedade machista. Mas estamos sobretudo numa sociedade feminista, visto que a grande parte das pessoas que me faz esta pergunta serem mulheres. A provar a parte em que digo que somos uma sociedade machista está o facto de os homens não me perguntarem isso porque ficam toldados a tentar espreitar-me as mamas pelo decote. A sério, eu quando for mãe hei-de tentar ler e saber mais sobre isto. Ou é sinal de falta de amamentação ou Playboy's a mais...
Lembram-se daquela piada "Como é que um elefante passa por uma porta fechada?, pela fechadura!"? Pois bem, a mesma coisa se aplica a uma mulher taxista. A qualquer taxista. Homem ou mulher. Velho ou novo Com barba ou com buço. Com mamas ou sem elas. Viciado na pinga ou dependente do Marlboro.

-Fazemos pela vida. É tão simples quanto isso, meus caros. Não fazem vocês o mesmo de segunda a sexta?

mito sobre a profissão #2

-é uma profissão segura

experimentem então chegar ao vosso carro e ter uma gaivota morta no pára-brisas com uma nota manuscrita a acompanhar: "da próxima vez que atravessares uma passadeira, és tu."


mito sobre a profissão #1

-sabemos sempre onde ficam todas as ruas, rotundas, ruelas e praças...

deves...

quarta-feira, setembro 22, 2004

sobre o orçamento familiar

No outro dia passou-me pelo táxi uma 'dondoca'. Foi a viagem toda a falar da sobrinha. Ainda hoje não sei se ela estava zangada ou satisfeita. Acho que a plástica não lhe dava margem de manobra facial.
(...)"ela vai todos os anos três vezes para fora. Eu é que devia fazer o mesmo. Mas é o que dá ter um marido na Cimpor. Deviam vender aquilo e pagar-lhe uma indemnização, para ver se ele vinha embora! Nós mulheres é que ficamos enterradas aqui! Ele vai todos os dias para lá, mas eu é que fico a cuidar de tudo aqui. 'Tá a ver?"
(nestas coisas a gente acena sempre que sim; só fica bem)
(...)"e sabe que mais faz ela!? Vai todas as semanas arranjar as mãos! Por mês é capaz de gastar 1500 euros naquelas mãos. E olhe que vou-lhe ser sincera: quem tem mãos bonitas, tem tudo! Foi a primeira coisa que reparei no meu marido... E nem acho tão descabido assim. Se formos a ver, as pessoas cuidam muito do corpo, que está sempre tapado pela roupa, enquanto as mãos estão sempre expostas. Se virmos o nosso corpo como a nossa loja, as mãos são a nossa montra. Não acha?"
-Ó minha senhora, isso depende...
-De quê?
-Do que é que a senhora tem para vender...

...escusado será dizer que mais valia eu ter-me ficado pelo aceno.

sobre o futebol

...não é para o povo; é para os políticos. Dá-lhes mais jeito a eles para distrair a malta dos erros que fazem do que à malta para curar frustrações de emprego ou mulheres chatas.

sobre Sócrates e Santana Lopes

-Deixe-me que lhe diga; no outro dia veio aqui um senhor que me disse que o Balsemão é que escolheu o Sócrates, e que ele vai mesmo ser eleito. Daqui a uns tempos o Santana Lopes despacha o Portas e mais ano, menos ano, junta-se ao Sócrates para fazer um governo central, para ficarem assim no poder durante uns anos valentes.
-Isso se o Manuel Alegre não ganhar.
-Pois... não sei se ganha...
-Se o João Soares desistir na última da hora, os votos dele saltam para o Manuel Alegre, e aí ele ganha. Aliás, é incrível porque é que ele se candidatou! Os dois têm o mesmo discurso!
-Se calhar é isso mesmo...
-Isso o quê?
-Para tirar votos ao Manuel Alegre, para deixar o Sócrates ganhar...
-Para quê?
-Ora, isso diga-me o senhor, que é Doutor!
-Diga lá, diga lá!...
-Ora, então se o Soares roubar os votos ao Manuel Alegre, o Sócrates é eleito; e se daqui a uns tempos se cumprir a aliança PSD/PS, entre o Santana Lopes e o Sócrates, o João Soares recebe o que lhe foi prometido.
-E que foi?
-Ó Doutor, isso agora!... eu sou taxista e sou mulher... não espera que eu saiba tudo! Eu só digo o que ouço.
-E já ouve muito.
-É da profissão, doutor... é da profissão...
-Da profissão e do cromossoma.
-Olhe, se o Doutor o diz, eu acredito. Mas saiba que já vi muito bom homem doutorado e pai de família mais intriguista que as caricaturadas peixeiras do mercado do Bolhão.

Ele riu-se, mas apesar da história toda deu-me 35cêntimos de groja; e vêm-me alguns caramelos dizer que a informação vale ouro! Se eu andasse de mini-saia no táxi fazia todos os dias mais de moedas de troco que de salário.

sobre boleias...

...o mais correcto era que as erradicassem de uma vez por todas; essa gente anda com manias de bom samaritanismo, mas no fundo só nos querem é lixar a vida. Fizessem como a minha mãe me fazia a mim e aos meus irmãos mais velhos: dois pares de estalos nas ventas e tudo ficava resolvido num instante. Ou isso ou sacudirem do poleiro aquela mandriagem toda do Governo. Entregues a um qualquer merceeiro da vila o país ficava bem melhor.

sobre o Outono

Olhe, sabe, tive um tio que se chamava José Carlos de Sousa Camilo Outono. O mais engraçado é que ele era careca.

opinião sobre colocação de professores

Olhe, se quer que lhe diga, eu dava a colocação dos professores à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Eles metiam os nomes todos numas bolinhas e iam fazendo como na Lotaria:

-Professora Joana Maaaaascareeeeeeeeenhas!
-Escola C+S do Laaaaaaavraaaadiooooooooooo!

opinião terceira

ainda há-de vir o primeiro dia em que não digam que uma mulher taxista ou tem buço ou não tem mamas.

opinião segunda

isto tá mal, pá!

opinião primeira

sou mulher, e depois!?