quinta-feira, dezembro 23, 2004

sobre as festas felizes

Votos de um santo Natal e de um óptimo ano de 2005, cheio de coisas boas e de continuação de muita amizade.


até 2005!

quarta-feira, dezembro 22, 2004

sobre os painéis

Uma das coisas que mais gosto de fazer quando estou em fase 'stand by', de repouso, à espera, é essa interminável curiosidade em observar o painel dos carros alheios.

Espreito os que consigo ver. Adoro notar nas particularidades do design. É científico que os carros italianos são os mais arrojados, com linhas bem marcadas e cheias de energia, mas são também os que mais rapidamente passam de moda. Já viram o tablier de um Fiat Tempra!? Os italianos passam muito rapidamente de moda por isso mesmo, porque eles são a moda.

Quanto ao tablier dos carros alemães, são quase sempre de aspecto sóbrio e sólido, robusto, escuro, mas acho que os VW já foram bem mais fiáveis do que são agora, e mesmo no design já me vão parecendo, como no último Golf, um pouco sensaborões.

Mas mais do que os tabliers, são os próprios painéis de controlo que adoro observar. Acho até que foi por eles que comecei a gostar de carros. Talvez em miúda adorasse naves espaciais e toda aquela parafernália de controlos luminosos que se viam nas séries de Tv, com os indicadores de pressão, temperatura, velocidade, etc.

Ainda hoje, lá me vou perdendo a observar as particularidades das marcas. Um Clio com a indicação de 'SERV' e obrigatória ida ao concessionário mais próximo. Um Honda com o aviso luminoso de airbag. Um Mercedes topo de gama a indicar o fim próximo da lâmpada de travão traseira esquerda... (uau!) Os Seats com as cores laranja, os OPEL a optar pela luz branca, os Toyotas e Citröen a optar mais pelo verde...

É um mundo admirável e faustoso, pelo qual me perco regularmente, qual miúda teenager a olhar a montra resplandecente de uma loja Ouro Vivo repleta de Cartiers, Chanel e D&G.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

sobre a sedução

Confesso que, como mulher, não sou aquilo a que se chama uma “vamp”. Mas vejo-as. Passam por aqui algumas todas as semanas. Entram. Falam pouco. E nem todas usam os típicos óculos de sol. Uma grande parte delas, fiquem a saber, são mulheres que, à partida, nem daríamos por elas. Mas elas, as verdadeiras “vamp”, sabem que o são. Sofrem como qualquer mulher. Têm desejos por homens que, alguns, não conseguem seduzir. Mas os homens pelos quais não nutrem qualquer paixão (e talvez apenas interesse), a esses conduzem-nos com uma mestria milimétrica e matematicamente irrepreensível, e, sobretudo, infalível.

Já me aconteceu algumas falarem comigo como se eu fosse a pobre coitada casada e mãe de filhos, que recriminam pela "submissão". Não perco tempo a dizer se sou ou não casada. Com isso ouço mais histórias delas. Técnicas que usam. Tons de voz. Frases lapidares. Virares de costas que os deixam loucos, perdidos, irritados durante dias, mas que depois os fazem quebrar o silêncio e irem a correr para uma noite de sexo louco, animal, visceral, desenfreado. E com isso, elas, só têm a ganhar.

Acho incrível como algumas destas mulheres dominam na perfeição quase todas as técnicas de sedução, o que leva o homem primeiro ao desejo, depois ao pânico e, finalmente, à perdição.

Antevejo tempos estranhos. Cada vez mais se vêem miúdas a seduzirem e conquistarem os rapazes, ficando estes entregues mais a si mesmos e relegando toda a disputa para as candidatas. É como se eles estivessem, no futuro, destinados a serem bem escasso.

Não sei em que posição isto me deixa, mas gostava que se mantivesse o romantismo a-la Cyrano de Bergerac...

"Querida revista Maria, estarei condenada à partida?"

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Sobre maçãs do rosto


Ela entra esbaforida, cabelo desgrenhado. A voz tremendamente apressada. Só a prática me leva a percebê-la:
-Par’exposefazf’vor!

Vai então metade do caminho a pintar-se. Tento não lhe esbater o rímel nem lhe borrar o batôn. Ela termina tudo. Arruma. Suspira. Desabafa:
-Pronto... Agora só me falta um bom copo de leite.
Sorrio. Meto conversa fiada para ver se daqui sai alguma gorjeta:
-Com uma pinguinha de café, não é?
-Não. Odeio café.
(merda)
-De manhã só bebo leite.
(insisto)
-Bem fresquinho?
-Não! Quente. Ou então morno. (pausa) O leite é sempre ou quente ou morno.

Ela abre um sorriso malicioso; fica a olhar-me pelo espelho retrovisor. Eu começo a inchar nas maçãs do rosto e sinto um calor de vergonha a encapuçar-me a cabeça toda.
Alguém me pode explicar porque é que eu corei?...

quinta-feira, dezembro 09, 2004

sobre os desconhecidos

Há pessoas que não conhecemos mas às quais nos habituamos a ver; ali estão elas, todos os dias, no café, ou numa paragem, tal como aquela música que pelos destinos transviados do acaso acabamos por ouvir sempre nas mesmas circunstâncias.

Vemos esses rostos que se tornam familiares sem alguma vez tentarmos uma aproximação. Como se temêssemos que a bolha de cristal que envolve esta 'relação' se partisse. Tornam-se, assim, nossos conhecidos. Tomam o café connosco. Passam pelo mesmo quiosque. Compram revistas parecidas. Lêem jornais diferentes...

E depois, um dia, torna-se tão curiosa essa passagem pelos mesmos sítios sem ver os nossos rostos; tão solitária; despojada de sentido; como se a tal música que sempre ouvimos à mesma hora e no mesmo lugar desta vez viesse não em inglês, mas sim num remix barato, em húngaro ou japonês.

Há quem explique isto.
Eu contento-me em senti-lo e com isso sentir-me dolorosamente humana.

A perda e a ausência.
Serão, talvez, o que melhor nos pressionam para sermos homens e mulheres deste mundo.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

sobre o insólito

O insólito vivi-o há poucos dias. Noite cerrada (o que agora não é difícil acontecer logo às 7) e um homem de barba por fazer entra no táxi.
-Leve-me até à estação de comboios da Amadora, p.f.

Arrancamos. É imediato, ao fim de segundos, que aquele sorriso de criança não é sinal de um utilizador comum de táxis. Remexeu nos tecidos, olhou muito em volta, explorou-me o táxi minuciosamente como um cowboy inspecciona o crivo à procura de uma pepita de ouro. Meti-me com ele:
- Não me diga que é a primeira vez que anda de táxi?
- Não!
– responde-me a sorrir muito.

Ajeita o grande saco plástico. Recosta-se no banco. Vai olhando lá por fora sem vestir os dentes à mostra.
-Sabe… às vezes tenho umas ideias assim; meio malucas!
-Assim como?
-Estou a fazer este passeio com o dinheiro de um biscate. Queria ver como era regressar a casa de táxi, sem estar a passar pelas esperas nos transportes públicos. Queria assim, com ‘choffeur’ e tudo.
(pausa) Não me leve a mal.
-Não, claro que não. (pausa minha) E está a gostar?
-Achava que ia gostar mais…
-Porquê?
-Porque eu não sou um homem de negócios.
-É por isso!?
-Mais ou menos…
-Como assim? Porque eles têm mais dinheiro?
-Não propriamente... A diferença nem é que eles têm mais dinheiro. A diferença é que eles vão e vêm de táxi porque o táxi não é pago com o dinheiro deles.
-...


Ainda assim manteve-se de sorriso perene até à Amadora. Deixei-o. Deu-me uma gorjeta simpática e tudo. Ali ia ele, de saco de supermercado na mão, com ferramenta a chocalhar lá dentro. Tenho 99% de certeza que não o voltarei a ver. Gostava de poder acreditar que um dia se tornaria um importantíssimo homem de negócios, que o voltaria a ter no táxi; mas sei que não vai ser assim.

Esta profissão ensina-nos alguma coisa. Uma delas, uma das mais importantes, é que a natureza humana, a natureza de alguns homens, não se transforma, mas antes os acompanha inteiramente igual até ao fim. É um olhar estranho, que se aprende enquanto se conduz tanta gente...

Fico pensativa.
Divago a ponderar o que será que, de entre nós, taxistas, alguns pensarão de mim a este respeito...