terça-feira, setembro 28, 2004

sobre livros

Por vezes passam-se horas e dezenas de viagens sem que algo de relevante nos marque o dia. Outras vezes basta levar alguém por dois quarteirões para ficar a pensar naquilo o dia todo. Há pouco tempo foi uma psicóloga, que ia para o Meridien. Não trocámos grandes histórias. Aliás, disse apenas isto, que me deixou extremamente pensativa quanto à felicidade e realização relativas de cada um:

-Sabe qual é o romance que anda aí na berra?

-Não leio assim tanto, minha senhora... Mas tenho ouvido falar de um Código Da Vinci e do livro do Sousa Tavares.

-Ah... então ainda são esses. (fez uma longa pausa) Sabe, é que preciso estar a par, para ir recomendando alguns livros. Já não leio um romance há muito tempo... Às vezes dou por mim a falar da mesma vintena de romances que li quando tinha 20 anos. Tenho saudades. Leio praticamente só livros técnicos; ou pelo menos livros relacionados com a minha profissão. Para 55 anos é muito tempo... É muito tempo sem ler um romance...

sobre o preço do gasóleo

A grande parte das vezes, quem desabafa dentro de um táxi ou é o motor a diesel ou o cliente, quando viaja no banco de trás. Tudo se passa como nos psicólogos (pelo menos na sua versão senso-comum e mais vista na TV e no cinema). Agora já percebem porque viajar de táxi é tão caro. Eu sou a primeira a reconhecer isso. Mas faz sentido. O objectivo é que durante a viagem você desfrute da paisagem, da nossa companhia semi-surda e de uma chance para desabafar os seus problemas. Uma espécie de confessionário, mas onde pode ver o padre pelas costas e não tem de levar com reprimendas no fim; basta deixar a moedinha. Se, por algum caso ou acaso, você não aproveita isto, o problema é seu.
Seja como for, há para além destes dois casos um outro, mais raro, em que somos nós, taxistas, quem acaba por desabafar.
Recentemente, com um cliente que ia de Santa Apolónia para o Rossio, a conversa começou por piqueniques, deambulou para a base das Lages, descaiu para o Bush, abelhas africanas e daí foi desembocar no preço dos táxis que não tem parado de subir. Chegados aqui, era incontornável para mim ausentar-me por completo da conversa. O assunto dizia-me especialmente respeito. Não consegui conter-me. Bem sei que a todos a vida custa, mas é preciso que se perceba que, se cortam as margens de lucro, quem vai ficar com menos no bolso para comprar umas bolachas de canela ou umas fatias de fiambre da perna no supermercado, somos nós. Taxistas.
Aproveitei então um sinal vermelho ao pé do Jardim do Tabaco, virei-me para trás e perguntei-lhe de caras:

-O senhor já viu quanto é que subiu o gasóleo de há um ano para cá!?

-Ó menina, eu sei lá! Eu meto sempre os mesmos mil paus.


mito sobre a profissão #3

- todos os taxistas cospem pela janela.

(já agora também podem dizer que todos temos pêlos nas costas, não...)

sexta-feira, setembro 24, 2004

sobre a cor dos táxis

Muito sinceramente, já ando um bocado farta da discussão sobre qual a cor a adoptar nos táxis; era para ser o beije; queriam erradicar o preto&verde; ficaram as duas. Já nem quero saber. Estou, como se diz, nas tintas para isso.
A sério.
Total e completamente.
Nas tintas para a cor dos táxis!
Aliás, mandasse eu nisto e obrigava toda a gente a pintar os táxis de cor-de-rosa. Via-se melhor ao longe e nem um daltónico ficava com dúvidas. E se ainda assim insistissem com mais perguntas, dizia que era para combinar com os sapatos rosa-velho que comprei na Zara no outro dia.
Os homens fazem tanta confusão e discussão besta sobre coisas insípidas que fico sem saber porque não percebem que nós, mulheres, somos capazes de ficar horas a conversar sobre qual a cor ideal de cabelo ou os malefícios do solário. Desculpem o feminismo, mas: qual é a diferença? Só falta fazerem manchete sobre a mudança do Pantone nas camisolas do Benfica...
Venha o fim-de-semana, por favor!


quinta-feira, setembro 23, 2004

vamos lá a ver se nos entendemos

-minha senhora, isto é assim (páro o carro com travão de mão e tudo; olho para trás e ajeito o cabelo à homem; adoro fazer isto quando apanho estas doutoras que me falam como se eu fosse a mulher-a-dias delas); vamos lá a ver se nos entendemos: isto é um táxi e eu sou taxista; não sou sua choffer. Percebeu?

profissão: taxista

Às vezes perguntam-me o que faz uma mulher a conduzir um táxi.

-levo as pessoas onde querem...

Fazem-me então cara de caso, riem de lado e eu faço que não percebo. É lógico que ainda estamos numa sociedade machista. Mas estamos sobretudo numa sociedade feminista, visto que a grande parte das pessoas que me faz esta pergunta serem mulheres. A provar a parte em que digo que somos uma sociedade machista está o facto de os homens não me perguntarem isso porque ficam toldados a tentar espreitar-me as mamas pelo decote. A sério, eu quando for mãe hei-de tentar ler e saber mais sobre isto. Ou é sinal de falta de amamentação ou Playboy's a mais...
Lembram-se daquela piada "Como é que um elefante passa por uma porta fechada?, pela fechadura!"? Pois bem, a mesma coisa se aplica a uma mulher taxista. A qualquer taxista. Homem ou mulher. Velho ou novo Com barba ou com buço. Com mamas ou sem elas. Viciado na pinga ou dependente do Marlboro.

-Fazemos pela vida. É tão simples quanto isso, meus caros. Não fazem vocês o mesmo de segunda a sexta?

mito sobre a profissão #2

-é uma profissão segura

experimentem então chegar ao vosso carro e ter uma gaivota morta no pára-brisas com uma nota manuscrita a acompanhar: "da próxima vez que atravessares uma passadeira, és tu."


mito sobre a profissão #1

-sabemos sempre onde ficam todas as ruas, rotundas, ruelas e praças...

deves...

quarta-feira, setembro 22, 2004

sobre o orçamento familiar

No outro dia passou-me pelo táxi uma 'dondoca'. Foi a viagem toda a falar da sobrinha. Ainda hoje não sei se ela estava zangada ou satisfeita. Acho que a plástica não lhe dava margem de manobra facial.
(...)"ela vai todos os anos três vezes para fora. Eu é que devia fazer o mesmo. Mas é o que dá ter um marido na Cimpor. Deviam vender aquilo e pagar-lhe uma indemnização, para ver se ele vinha embora! Nós mulheres é que ficamos enterradas aqui! Ele vai todos os dias para lá, mas eu é que fico a cuidar de tudo aqui. 'Tá a ver?"
(nestas coisas a gente acena sempre que sim; só fica bem)
(...)"e sabe que mais faz ela!? Vai todas as semanas arranjar as mãos! Por mês é capaz de gastar 1500 euros naquelas mãos. E olhe que vou-lhe ser sincera: quem tem mãos bonitas, tem tudo! Foi a primeira coisa que reparei no meu marido... E nem acho tão descabido assim. Se formos a ver, as pessoas cuidam muito do corpo, que está sempre tapado pela roupa, enquanto as mãos estão sempre expostas. Se virmos o nosso corpo como a nossa loja, as mãos são a nossa montra. Não acha?"
-Ó minha senhora, isso depende...
-De quê?
-Do que é que a senhora tem para vender...

...escusado será dizer que mais valia eu ter-me ficado pelo aceno.

sobre o futebol

...não é para o povo; é para os políticos. Dá-lhes mais jeito a eles para distrair a malta dos erros que fazem do que à malta para curar frustrações de emprego ou mulheres chatas.

sobre Sócrates e Santana Lopes

-Deixe-me que lhe diga; no outro dia veio aqui um senhor que me disse que o Balsemão é que escolheu o Sócrates, e que ele vai mesmo ser eleito. Daqui a uns tempos o Santana Lopes despacha o Portas e mais ano, menos ano, junta-se ao Sócrates para fazer um governo central, para ficarem assim no poder durante uns anos valentes.
-Isso se o Manuel Alegre não ganhar.
-Pois... não sei se ganha...
-Se o João Soares desistir na última da hora, os votos dele saltam para o Manuel Alegre, e aí ele ganha. Aliás, é incrível porque é que ele se candidatou! Os dois têm o mesmo discurso!
-Se calhar é isso mesmo...
-Isso o quê?
-Para tirar votos ao Manuel Alegre, para deixar o Sócrates ganhar...
-Para quê?
-Ora, isso diga-me o senhor, que é Doutor!
-Diga lá, diga lá!...
-Ora, então se o Soares roubar os votos ao Manuel Alegre, o Sócrates é eleito; e se daqui a uns tempos se cumprir a aliança PSD/PS, entre o Santana Lopes e o Sócrates, o João Soares recebe o que lhe foi prometido.
-E que foi?
-Ó Doutor, isso agora!... eu sou taxista e sou mulher... não espera que eu saiba tudo! Eu só digo o que ouço.
-E já ouve muito.
-É da profissão, doutor... é da profissão...
-Da profissão e do cromossoma.
-Olhe, se o Doutor o diz, eu acredito. Mas saiba que já vi muito bom homem doutorado e pai de família mais intriguista que as caricaturadas peixeiras do mercado do Bolhão.

Ele riu-se, mas apesar da história toda deu-me 35cêntimos de groja; e vêm-me alguns caramelos dizer que a informação vale ouro! Se eu andasse de mini-saia no táxi fazia todos os dias mais de moedas de troco que de salário.

sobre boleias...

...o mais correcto era que as erradicassem de uma vez por todas; essa gente anda com manias de bom samaritanismo, mas no fundo só nos querem é lixar a vida. Fizessem como a minha mãe me fazia a mim e aos meus irmãos mais velhos: dois pares de estalos nas ventas e tudo ficava resolvido num instante. Ou isso ou sacudirem do poleiro aquela mandriagem toda do Governo. Entregues a um qualquer merceeiro da vila o país ficava bem melhor.

sobre o Outono

Olhe, sabe, tive um tio que se chamava José Carlos de Sousa Camilo Outono. O mais engraçado é que ele era careca.

opinião sobre colocação de professores

Olhe, se quer que lhe diga, eu dava a colocação dos professores à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Eles metiam os nomes todos numas bolinhas e iam fazendo como na Lotaria:

-Professora Joana Maaaaascareeeeeeeeenhas!
-Escola C+S do Laaaaaaavraaaadiooooooooooo!

opinião terceira

ainda há-de vir o primeiro dia em que não digam que uma mulher taxista ou tem buço ou não tem mamas.

opinião segunda

isto tá mal, pá!

opinião primeira

sou mulher, e depois!?